A Poesia na Oração do “Pai Nosso”
José Angelo da Silva
Campos
O que é o
poético? O que faz a essência da poesia?
De fato,
sabemos que a poesia é uma arte. Arte literária.
Sendo
arte, não se prende à rigidez das normas, mesmo ciente de que na forma clássica
há regras que a sustentam.
O poema é
fruto de uma criação e carrega consigo o pensamento, a sensibilidade e os
valores do autor.
A forma
(aparência) não faz do texto um poema, mas o conteúdo (substância) sim, pois é
dela que abstraímos, encontramos o âmago da intenção do coração do poeta.
Eis a
razão do poema: encontrar, em meio à aparência, a substância.
Nesse
sentido, poema, a Oração do Pai Nosso, traz na forma (aparência) uma alocução dividida
em sete partes.
Na
substância, essas sete partes, são sete pedidos subdivididos em dois conjuntos:
o primeiro contendo três pedidos formulados na segunda pessoa, versando sobre
os assuntos de Deus neste mundo; o segundo conjunto contém quatro pedidos
formulados na primeira pessoa do plural, que versam sobre as nossas esperanças,
necessidades e indigências.
Há clara
relação entre esses dois conjuntos de pedidos do Pai Nosso e as duas Tábuas do
Decálogo, em substância, que são radicalmente desenvolvimentos das duas partes
do mandamento principal: o amor de Deus e do próximo. A primeira Tábua fala da
relação do homem com Deus e a segunda, da relação do homem com o próximo –
instruções sobre o caminho do amor.
A
formulação poética inicia-se no pensamento que se faz palavra e expressa conteúdo,
daí o autor manifesta sua sensibilidade.
Portanto,
normalmente o pensamento precede a palavra. Essa palavra deve trazer em si a
essência do sentimento.
No caso
da oração, essencial se faz que as palavras comuniquem com Deus, realizem esse encontro
intimo entre criador e criatura.
São Bento
marcou em sua regra a fórmula: “Mens
nostra concordet voci nostrae”. “o
nosso espírito deve estar em harmonia com a nossa voz” (Reg 19,7).
Na Oração
dos Salmos essa lógica poética da precedência do pensamento, se desfaz.
A
palavra, a voz, precede-nos, e o nosso espírito deve inserir-se nesta voz.
Pois, tão
longe estamos de Deus, tão grande e misterioso, que nós mesmos não sabemos como
rezar, e, em Lucas, o discípulo pede: “Senhor, ensina-nos a rezar...” (Lc
11,1).
E assim,
na Oração do Pai Nosso, encontramos nas palavras (voz) o sentido, o pensamento
que nos aproxima de Deus e nos permite, por Jesus Cristo, o autor, a chama-lo
de Pai e, não somente Pai, mas, Pai Nosso.
“Meu Pai”,
é exclusividade do Filho unigênito, que no pleno amor, nos adota como irmãos.
E é
assim, nessa irmandade que com Cristo rezamos ao Pai pelo Espírito Santo.
Ao
declamarmos esse poema, a oração do Pai Nosso, devemos olhar para a aparência e
ver a substância que tem por objeto o Amor supremo, mar onde navega a poesia.
Fundamentação doutrinal
livremente extraída da obra:
Jesus de Nazaré: primeira parte: o batismo no Jordão à
transfiguração / Joseph Ratzinger; tradução José Jacinto Ferreira de Farias. –
São Paulo: Editora Planeta do Brasil, 2007.