segunda-feira, 30 de maio de 2016

"NÃO EU, MAS TU"

“Não eu, mas Tu”

José Angelo da Silva Campos

 

 “Pai, se é de Teu agrado, afasta de mim este cálice! Não se faça, todavia, a minha vontade, mas sim a Tua.” (Lc 22,42)

 

 

Da angustiosa dor no Getsêmani também podemos extrair o ensinamento para suportarmos as nossas angústias e profundas feridas da alma.

 

A natureza humana de Jesus sucumbiu, num ato livre de obediência, à vontade divina. Numa demonstração clara da idealização do homem perfeito.

 

Acima dos desejos humanos, reside no coração cristão a obediência à vontade de Deus. “Seja feita a vossa vontade, assim na terra como no Céu

 

Naquele sofrimento de Cristo no Getsêmani, está contida a nossa agonia daquela dor inexplicável, daquela angústia que fere a alma, por tudo que contradiz a nossa vontade e nos encaminha ao desespero da perda da fé.

 

É no monte das Oliveiras que encontraremos o refrigério daquela dor insuportável.

 

O Papa Bento XVI, na sua obra Jesus de Nazaré, apresenta a seguinte citação, que justifica nossa narrativa:

Nesse sentido, como fez Pascal, podemos aplicar também a nós, de modo muito pessoal, o sucedido no monte das Oliveiras: também o meu pecado estava presente naquele cálice pavoroso. ‘Aquelas gotas de sangue, derramei-as por ti’: são as palavras que Pascal ouve dirigidas a si pelo Senhor em agonia no monte das Oliveiras”

Quem de nós não entende que a sua própria dor é sempre maior que a do outro?

Afinal, a dor é sentimento. E sentimento só se pode ter o próprio. Não há como sentir o sentimento do outro.

 

A maioria de nós carrega no fundo da alma uma angústia, um questionamento sobre algo que nos perturba.

Impulsionados pelo egocentrismo, alimentamos o falso entendimento de que seríamos alvo de uma espécie de perseguição, um castigo divino, uma maldição.

 

Essa angústia provocada pelo sofrimento pode, em relação a si próprio, gerar a pior reação que um ser humano pode ter em relação ao outro, a pena.

O estado de pena causa um círculo vicioso de dor e autopiedade que, girando em torno de si mesmo, chora a dor e dói o choro.

 

Jesus disse: "Vinde a mim,vós todos que estais aflitos sob o fardo, e eu vos aliviarei. porque meu jugo é suave e meu peso é leve." (Mt 11,28.30) 

 

Para que o fardo se torne leve, é necessário lançar a vida nos braços de Cristo. Despojar de tudo que nos reveste e clamar com sinceridade e fé:

seja feita a vossa vontade, assim na terra como no Céu.”

 

Apresentar o fardo da nossa angústia e dor ao Senhor, é unir a nossa humanidade à dEle, que no monte das Oliveiras apresenta ao Pai a Sua fidelidade, que assim também se faz nossa: “Não eu, mas Tu.”

 

A minha dor não é maior que a dEle, nem menor que a sua, mas a minha vida está contida nEle da mesma forma que a sua.

Juntos formamos um só corpo, num único mistério que eleva nossa humanidade ao encontro do Pai, atingindo a paz, tão desejada.

 

 

segunda-feira, 21 de março de 2016

DEBATE. Quando faltam os argumentos...



Debate.
Quando faltam os argumentos...
José Angelo da Silva Campos

O Brasil parece aquele meninão pré-adolescente na fase de mudança da voz. Dá até para entender o que ele fala, mas, não passa despercebida a variação constante no som emitido, ora grosso, ora fino.
A comparação é tosca, considerando a seriedade da coisa. Por falar em coisa, a coisa pública está agonizante e, neste clima instável como a voz do meninão, provocando discussões sob a forma de “debate”, muitas vezes calorosos e, porque não dizer, carentes de fundamentação.
Os debatedores, na sua maioria, veem-se tomados pela paixão, que é uma adesão cega e surda, normalmente alimentada pelo orgulho, irmão gêmeo da vaidade, que não permite a livre ação do intelecto que, para bem funcionar, depende do oposto do orgulho e da vaidade que é a humildade.
Humildade para reconhecer, em primeiro lugar que ninguém é dono da verdade e, portanto, ter a capacidade de “dar o braço a torcer”, aceitar os argumentos alheios quando os fatos, aliados aos princípios republicanos e democráticos, lançam a tese defendida na seara da ausência de fundamento lógico.
Admitir que suas próprias argumentações perderam o embasamento que as sustentavam, não é motivo de vergonha, ao contrário, é sinal de sabedoria.
De fato, a defesa das teses implica no objetivo de convencimento da parte contrária. Porém, aquilo que se inicia no âmbito da intelectualidade não admite o uso da violência (seja física, seja intelectual) para silenciar o opositor, pois assim não haveria convencimento, apenas imposição violenta de posicionamento.
A crise de valores que assola a sociedade brasileira fere de morte a nossa dignidade pessoal, levando-nos à descrença nas instituições e na capacidade de reação inerente ao ser humano.
As ideias, pensamentos, ensinamentos históricos, a tradição moral e os princípios instituídos por séculos de evolução são substituídos por “ideologias” que conduzem o debatedor a agir e reagir sob o domínio das emoções. E o que é afinal “ideologia”?
A definição de ideologia requer um estudo filosófico da utilização do termo, suas primeiras aplicações e as mais marcantes no contexto da história da humanidade.
Arrisco-me a adotar uma definição que atende meus pensamentos pessoais, portanto longe de servir como plena verdade. A palavra ideologia teria nascido no final do século XVIII e início do século XIX, no contexto da revolução francesa, teve seu entendimento como conceito de “ideia falsa” ou “ilusão” por Napoleão Bonaparte, quando designou seus opositores de “ideólogos”, denotando um sentido negativo ao termo.
Com base neste sentido negativo, Karl Marx elaborou o sentido de ideologia conforme compreendemos hoje. Ou seja, a ideologia faz parte da superestrutura: a infraestrutura é econômica, a superestrutura é cultural, daí cria-se uma farsa de superestrutura para justificar os interesses de classe. Assim, a ideologia denota um conceito de falsidade, criatividade argumentativa para justificar os interesses econômicos daquele que a cria, ou a adota para si.
Opto por não adotar nenhuma ideologia, deixando minha mente livre para o convencimento nas argumentações fundamentadas e no exercício consciente do meu intelecto, mesmo que isso me leve a varias mudanças de entendimento. Costumo dizer sobre minhas ideias: “esse é o meu entendimento, convença-me do contrário.”
Daí a importância de evitarmos as paixões, para que elas não cerrem a porta da nossa capacidade de assimilação, esse bem fundamental que é a razão.
Brasileiros, não fujam do debate, porém, quando faltarem argumentos, sejam humildes, admitam o argumento do opositor ou, simplesmente silenciem, até que adquiram novos argumentos para reiniciarem o debate.
A violência emburrece.
Um bom e salutar debate a todos, para o bem da republica, da democracia e do nosso crescimento pessoal.

sábado, 12 de março de 2016

Tempo do Advento e Natal.


Tempo do Advento e Natal.

Eu vou, mas voltarei a vós.” (Jo 14,28)

José Angelo da Silva Campos

 

Reconhecer o sagrado, seja o espaço, seja o tempo, é essencial ao católico e, ao mesmo tempo, intrínseco à sua fé.

Jesus chorou sobre Jerusalém que não reconheceu o tempo da visitação: “Quando Jesus se aproximou de Jerusalém e viu a cidade, começou a chorar. E disse: “...porque não reconheceste o tempo em que foste visitada”. (Lc 19, 41, 44b)

O espaço sagrado é o lugar reservado para Deus, santificado (o interior de uma Igreja, por exemplo) e o tempo sagrado é o kairós, ou seja, o tempo oportuno, o tempo da justa medida, o tempo em que Deus age.

O Ano Litúrgico é o tempo de santificação, verdadeira escola de santidade, é o tempo sagrado que começa no primeiro Domingo do Advento, tem seu ponto mais alto na Páscoa e termina na solenidade de Cristo Rei. É o tempo oportuno, a ação de Deus no tempo.

A cada ano litúrgico “o Povo de Deus volta a pôr-se a caminho, para viver o mistério de Cristo na história”¹.

O Advento, palavra de origem latina que significa vinda, chegada, e que na linguagem cristã refere-se à vinda de Deus, à sua presença no mundo, quando estabelecido na cronologia do Ano Litúrgico, nos convoca a um momento de penitência, uma penitência com sentido diferente daquela do tempo da quaresma. Uma penitência de vigília, de preparação para a vinda do Senhor, “vigiai e orai”.

Nesse tempo somos exortados a nos associarmos a João Batista que prepara a vinda do Messias, a voz que clama no deserto, e ao ícone do Advento, a Virgem Maria que “encarna perfeitamente o espírito do Advento, feito escuta de Deus, de desejo profundo de fazer a Sua vontade, de serviço jubiloso ao próximo”¹, para vivermos a expectativa da vinda gloriosa de Jesus, bem celebrando os mistérios da Sua encarnação e da sua total presença no meio de nós, cumprindo a missão de anunciar ao mundo que “Jesus é o vivente, a própria vida”²:

Jesus se aproximou deles e disse: ‘Foi me dada toda a autoridade no céu e na terra. Ide, pois, fazer discípulos entre todas as nações, e batizai-os em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo. Ensinai-lhes a observar tudo o que vos tenho ordenado. Eis que estou convosco todos os dias, até o fim dos tempos.”(Mt 28, 18-20)

Deus se revela a Adão, o primeiro homem, e pede a sua amizade.

Criado à imagem e semelhança de Deus, o homem, sucumbido pelo pecado, perde a semelhança ao Deus criador e distancia-se do Seu amor.

Deus, que criou o homem por puro amor, não desiste dessa amizade e, no tempo oportuno, aos poucos Se revela, preparando o seu povo para a grande reconciliação, a revelação plena para a redenção da humanidade, “Et Verbum caro factum est et habitavit in nobis” (E o Verbo se fez homem e habitou entre nós).

De fato, Deus amou tanto o mundo, que deu o seu Filho único, para que todo o que nele crer não pereça, mas tenha a vida eterna.” (Jo 3,16)

Com a sua vinda ao meio de nós, Deus indica-nos e confia-nos também uma tarefa: precisamente a de ser semelhantes a Ele e de tender para a verdadeira vida, de alcançar a visão de Deus, no rosto de Cristo. Santo Irineu afirma ainda: ‘O Verbo de Deus pôs a sua morada no meio dos homens e Se fez Filho do homem, para habituar o homem a sentir a Deus, e para habituar Deus a fazer a sua morada no homem, segundo a vontade do Pai. Por isso, Deus concedeu-nos como ‘sinal’ da nossa salvação Aquele que, nascendo da Virgem, é o Emanuel’ (Santo Irineu)”.¹

O mundo moderno vive uma crise de fé. O homem se coloca cada vez mais como o centro do universo. A distância do sagrado esfria o coração humano e aumenta sua necessidade de Deus. A velocidade das comunicações, aliada ao conforto vindo do progresso tecnológico, provoca uma frenética busca da felicidade naquilo que o mundo pode oferecer.

O Advento é o tempo oportuno para uma desaceleração. Tirar os olhos do mundo e buscar naquele que habita no meio de nós, a Luz que retira o véu dos nossos olhos e nos faz enxergar plenamente o amor, que vem por pura graça, nascido pequenino e frágil do seio de uma mulher, numa manjedoura, humilde e próximo de nós, ao nosso alcance.

Com os olhos desvendados, na pequenez daquele menino vemos a grandiosidade de Deus que se inclina, por puro amor e misericórdia, para nos alcançar e resgatar à vida, eterna e plena para a qual fomos criados.

Numa vigília constante, neste tempo da Igreja (tempo da misericórdia), nos preparamos para o tempo do juízo, a vinda definitiva e gloriosa do Filho Unigênito de Deus.

No Natal contemplamos Deus que se fez um de nós e que estando à direita do Pai, age em nossa vida através da sua Palavra; nos Sacramentos, especialmente na Santíssima Eucaristia.

Cheios de amor e confiança, pedimos na vigília do Advento e, especialmente no Santo Natal, na oração que Ele nos ensinou: “Venha a nós o vosso reino”!

Vinde Senhor Jesus!


 

¹ - E o Verbo se fez carne: Reflexões sobre o mistério do Natal – Bento XVI; Campinas-SP: Ecclesiae, 2014.

² - Jesus de Nazaré: da entrada de Jerusalém até a ressurreição/Joseph Ratzinger; tradução Bruno Bastos Lins. – São Paulo: Editora Planeta do Brasil, 2011.

“Deus ama quem dá com alegria.”


Deus ama quem dá com alegria.” (2Cor 9,7)

José Angelo da Silva Campos

 

Certamente conheceis a generosidade de nosso Senhor Jesus Cristo: de rico que era, tornou-se pobre por causa de vós, para que vos torneis ricos, por sua pobreza.” (2Cor 8,9)

O amor é a lei que nos vincula, é a ordem que encaminha a nossa transformação.

Transformados pelo amor, somos capazes da graça de afeiçoarmo-nos a Jesus Cristo e, na alegria do Santo Espírito, ver com os Seus olhos, ouvir com Seus ouvidos, falar com Sua voz, viver em Jesus Cristo, enfim, sermos verdadeiramente cristãos.

Em Cristo Jesus, participamos também da história da revelação de Deus. Deus de Abraão, de Isaac e de Jacó, chamado Israel, cujos doze filhos são patriarcas das doze tribos de Israel.

Os levitas são membros da tribo de Levi e viviam como sacerdotes entre as tribos de Israel e não tinham território próprio.

A necessidade do sustento da tribo de Levi pelas demais tribos de Israel, fez estabelecer o dízimo como uma lei judicial que tem a sua justificativa expressa no versículo 29 do capítulo 14 do Livro do Deuteronômio: “E vindo o levita – que não tem parte nem herança como tu – o estrangeiro, o órfão e a viúva que estivesse em tua cidade, eles comerão à saciedade, para que o Senhor teu Deus te abençoe em todos os teus trabalhos.”. Porém, a antiga lei não tinha estabelecido o dízimo apenas para o sustento dos ministros, mas também para socorrer os pobres e necessitados.

Em Jesus Cristo não se concebe o dízimo como uma lei que obriga o fiel a devolver 10% do fruto do seu trabalho.

Mas, como tradição da Antiga Aliança renovada como Lei da graça, o amor que gera o sentido de pertença ao Corpo Místico de Jesus Cristo (Igreja), nos impele à Caridade e com ela, à alegria da generosidade do sustento das necessidades materiais da Igreja, para “que ela possa dispor do necessário para o culto divino, para as obras de apostolado e de caridade e para a honesta sustentação dos seus ministros.” (Código de Direito Canônico, Cân. 222, § 1º).

O Senhor disse (Mt10, 9-10): “Não leveis nem ouro, nem prata, nem dinheiro em vossos cintos, nem mochila para a viagem, nem duas túnicas, nem calçados, nem bastão; pois o operário merece o seu sustento.” (Eis que cabe aos fiéis providenciar o sustento daqueles que lhes anunciam o Evangelho.).

Portanto, Deus ama quem dá com alegria. Com alegria e generosidade. A generosidade está no desprendimento e no comprometimento com a evangelização e a partilha, pois é da doação de si próprio que a vida plena, ofertada por Jesus Cristo, estará ao alcance do próximo.

Doando sua vida e do fruto do seu trabalho o cristão oferece o dízimo, que perde o sentido impositivo dos dez por cento e transforma-se no amor que doa na alegria e sem medida.

É bom lembrar: ‘Quem semeia pouco também colherá pouco, e quem semeia com largueza colherá também com largueza’. Que cada um dê conforme tiver decidido em seu coração, sem pesar nem constrangimento, pois ‘Deus ama quem dá com alegria’”. (2Cor 9,6-7)