Aprofundando, Fé e Política
“O homem não pode separar-se de Deus nem
a política da moral”
São Tomás
Moro – Padroeiro dos Governantes e dos Políticos
José Angelo da Silva Campos
A resposta do homem a
Deus – Por sua Revelação. “o Deus invisível, levado por seu grande amor, fala
aos homens como amigos, e com eles se entretém para os convidar à comunhão
consigo e nela os receber”¹. A
resposta adequada a este convite é a fé.
Pela fé, o homem
submete completamente sua inteligência e sua vontade a Deus. Com todo o seu
ser, o homem dá seu assentimento a Deus revelador². A Sagrada Escritura denomina “obediência da fé” esta resposta do
homem ao Deus que revela³. (Catecismo da Igreja Católica – 142-143)
(¹Constituição Dogmática Dei Verbum-2 / ²Constituição Dogmática Dei
Verbum-5 / ³Carta ao Romanos 1,5)
O Catecismo da Igreja Católica
ensina sobre a obediência da fé dizendo:
"Obedecer (‘ob-audire’) na fé
significa submeter-se livremente à palavra ouvida, visto que sua verdade é
garantida por Deus, a própria Verdade. Desta obediência, Abrahão é o modelo que
a Sagrada Escritura nos propõe, e a Virgem Maria, sua mais perfeita
realização." (144)
A palavra obedecer vem do verbo
ouvir. É um ouvir maior que simplesmente escutar. É um ouvir com adesão livre à
palavra ouvida.
Deus nos fala como amigos e a
amizade é reciprocidade de afeto, portanto, Deus ama o homem e é necessário que
o homem o ame de volta para que a amizade se concretize.
A virtude da fé é uma virtude
teologal, ou seja, ela é infundida no coração do homem pelo próprio Deus. Desta
forma, o homem é completamente dependente de Deus, podendo ser comparado até
mesmo a um mendigo. Até mesmo a fé que Deus espera que o homem lhe retribua é
uma virtude que deve ser recebida Dele. É por isso que o Catecismo elenca
algumas características da fé:
1. -
a fé é uma graça, "é um dom de
Deus, uma virtude sobrenatural infundida por Ele" (153);
2.
- a fé é um ato humano, "na fé, a inteligência e a vontade
humanas cooperam com a graça divina: crer é um ato de inteligência que assente
à verdade divina a mando da vontade movida por Deus através da graça."
(155);
3.
- a fé está relacionada à inteligência, o homem crê "por causa
da autoridade de Deus que revela e que não pode enganar-se e nem enganar";
"o assentimento da fé não é de modo algum um movimento cego do
espírito" (156);
4.
- a fé é certa, "mais certa que qualquer conhecimento humano
porque se funda na própria Palavra de Deus que não pode mentir. [...] as
verdades reveladas podem parecer obscuras à razão e à experiência humanas, mas
a certeza dada pela luz divina é maior que a que é dada pela luz da razão
natural" (157);
5.
- a fé procura compreender, "é característico da fé o crente
desejar conhecer melhor Aquele em quem pôs a sua fé e compreender melhor o que
Ele revelou; um conhecimento mais penetrante despertará por sua vez uma fé
maior, cada vez mais ardente de amor"; "eu creio para compreender, e
compreendo melhor para crer (Santo Agostinho)" (158);
6.
- a fé não se opõe à ciência, "portanto, se a pesquisa metódica,
em todas as ciências proceder de maneira verdadeiramente científica, segundo as
leis morais, na realidade nunca será oposta à fé: tanto as realidades profanas
quanto as da fé originam-se do mesmo Deus" (159).
A fé está relacionada com a
inteligência, é preciso conhecer as razões para se crer, porém, a razão não
gera a fé. Ninguém pode ser constrangido a crer por nada nem por ninguém. A fé
deve ser livre. É por isso que Deus se esconde do homem, porque, caso se
mostre, a liberdade humana cai por terra. O homem deve amar a Deus livremente,
por meio de um ato de fé. Desta maneira, é sempre possível que não se creia -
esta é a verdadeira liberdade. Diz o Catecismo:
"Com efeito, Cristo convidou à
fé e à conversão, mas de modo algum coagiu. ‘Deu testemunho da verdade, mas não
quis impô-la força aos que a ela resistiam. Seu reino... se estende graças ao
amor com que Cristo, exaltado na cruz, atrai a si os homens." (160)
A fé é razoável, é inteligível, mas
não é algo que se possa provar racionalmente, de forma apodítica, irrefutável.
Assim sendo, que cada um possa renovar seu ato de fé, conscientes de ser
imprescindível à dignidade humana "prestar, pela fé, à revelação de Deus
plena adesão do intelecto e da vontade e entrar, assim, em comunhão
íntima" (155) com Deus. (Texto extraído “ipsis litteris” do Curso de
Catecismo – Aula 16 – www.padrepauloricardo.org
)
Portanto, sendo a fé uma adesão de
livre vontade, uma resposta do homem a Deus, um ato consciente permeado pela
inteligência e fundamentado na certeza da realização daquilo que se espera,
torna-se intrínseca ao fiel, inseparável da orientação do seu pensamento.
Aquele que se torna obediente na fé,
escuta com todo o seu coração e adere radicalmente ao Caminho, à Verdade e à
Vida, respondendo ao convite de comunhão com Deus, confessando sua fé em um só
Deus, Pai, Filho e Espírito Santo.
A fé que vincula o homem a Deus
torna-o inseparável Dele e de tudo que significa sua amizade. Essa amizade que
por si propõe a troca de afeto, Deus nos ama e a ele respondemos com o amor,
através da vivência da caridade e na esperança.
Esse vínculo de livre vontade que a
fé estabelece, torna-nos comprometidos com a coerência entre a fé e a vida,
entre a cultura e o Evangelho, cumprindo a exortação aos fieis feita pelo
Concílio Vaticano II “a cumprirem fielmente os seus deveres temporais,
deixando-se conduzir pelo espírito do Evangelho. Afastam-se da verdade aqueles
que pretextando que não temos aqui cidade permanente, pois demandamos a futura,
crêem poder, por isso mesmo, descurar as suas tarefas temporais, sem se darem
conta de que a própria fé, de acordo com a vocação de cada um, os obriga a um
mais perfeito cumprimento delas”.
A política, como arte ou ciência de
governar, requer compromisso e responsabilidade daqueles que assumem o poder e
daqueles que o outorgam, em manter como centro de todas as ações e pensamentos
a pessoa humana.
“27Deus criou o ser
humano à sua imagem... 28E Deus os abençoou e lhes disse: ‘Sede
fecundos e multiplicai-vos, enchei a terra e submetei-a! Dominai sobre os
peixes do mar, as aves do céu e todos os animais que se movem pelo chão’.” (Gn
1, 27-28)
A democracia é o regime político que
melhor exprime a participação popular, porém seria frágil e antagônica ao seu
conceito se não tivesse como fundamento a centralidade da pessoa humana.
Por ser o símbolo da liberdade
plena, a democracia vem sendo alvo de um relativismo cultural que passa a
excluir do centro do seu fundamento a pessoa humana, para exaltar uma liberdade
que estaria mais próxima de uma anarquia, cujo individualismo e a sobrepujança
dos desejos pessoais excluem a essência da ordem moral que diz respeito ao bem
da vida.
Sob a égide da defesa da consciência
individual e da laicidade, o relativismo cultural tenta impor ao fiel a mitificação
de que os princípios que norteiam a fé cristã seriam incompatíveis com o
exercício da política, fato que levaria o fiel a viver duas vidas, dois
propósitos, um da fé religiosa com seus cultos, doutrinas e tradições morais e
outro da vida natural cujo princípio moral perde sentido a cada imposição da
satisfação dos desejos de pequenos grupos em defesa dos seus direitos
individuais.
O homem não pode despir-se da sua fé
para viver qualquer situação da sua vida comum.
O homem de fé deve satisfação ao compromisso
livre e consciente que fez ao convite de Deus, o qual ele responde com a sua
adesão ao propósito de seguir, por amor, o Caminho, a Verdade e a Vida que é
Jesus Cristo, prestando obediência (ob-audire)
com os ouvidos desobstruídos pelo poder do Espírito Santo, aos mandamentos da
lei de Deus, assim resumidos em Amar a Deus sobre todas as coisas e ao próximo
como a si mesmo.
Portanto, por obediência e amor a
Deus, o fiel deve conduzir suas ações com o objeto do bem comum, centralizando
a pessoa humana e a vida como beneficiários naturais, pré-questionando sempre
se o ato ou omissão tem como resultado o benefício da humanidade.
A uma “anarquia moral” seremos conduzidos se abdicarmos da coerência da
nossa consciência cristã em nome do respeito da consciência individual, assim
manifesta a Congregação para a Doutrina Da Fé em Nota Doutrinal sobre algumas
questões relativas à participação e comportamento dos católicos na vida
política (Roma, 24 de novembro de 2002):
Nas sociedades democráticas todas as propostas são discutidas e
avaliadas livremente. Aquele que, em nome do respeito da consciência
individual, visse no dever moral dos cristãos de ser coerentes com a própria
consciência um sinal para desqualificá-los politicamente, negando a sua
legitimidade de agir em política de acordo com as próprias convicções relativas
ao bem comum, cairia numa espécie de intolerante laicismo. Com tal perspectiva pretende-se negar, não só qualquer
relevância política e cultural da fé cristã, mas até a própria possibilidade de
uma ética natural. Se assim fosse, abrir-se-ia caminho a uma anarquia moral,
que nada e nunca teria a ver com qualquer forma de legítimo pluralismo. A
prepotência do mais forte sobre o fraco seria a consequência lógica de uma tal
impostação. Aliás, a marginalização do Cristianismo não poderia ajudar ao
projeto de uma sociedade futura e à concórdia entre os povos; seria, pelo
contrário, uma ameaça para os próprios fundamentos espirituais e culturais da
civilização.
Fé, é adesão por convicção
consciente e plenitude da obediência ao convite de Deus e política, é ciência e
arte da governança e do relacionamento humano na administração do bem comum.
O princípio e fundamento da fé
cristã é Jesus Cristo, o amor.
Para que a política, seja na
governança ou nos atos públicos do nosso dia a dia, administrando ou outorgando
poderes pelo voto, tenha verdadeiramente por escopo o bem comum, ela não pode
afastar-se da moral e nem o homem que a promove afastar-se da fé que o une a
Deus.
Fé e política, união pelo objeto do amor,
ambas desejam o bem comum, a fé promove no homem os impulsos para que aja
politicamente com respeito aos princípios do amor, fiel a Jesus cristo.
Quando o fiel abre mão dos
princípios da fé cristã em prol da política, ele está abdicando da sua fé, e em
questão de fé não há meio termo, é tudo ou nada.
A omissão, o silêncio do fiel frente
à política contrária ao bem comum, tal qual a abdicação dos princípios morais
da fé cristã para a adesão à política, também representa o abandono a Jesus
Cristo por inteiro.
A vida do fiel cristão é
cristocêntrica, mesmo nos deslizes a presença central de Jesus Cristo é que o
fará reerguer-se e retomar o Caminho que o leva à Verdade.
Fontes
consultadas:
Catecismo
da Igreja Católica / Curso de Catecismo da Igreja Católica do Padre Paulo
Ricardo de Azevedo Júnior – Arquidiocese de Cuiabá-MT – www.padrepauloricardo.org / Congregação
para a Doutrina da Fé – Nota Doutrinal sobre algumas questões relativas à
participação e comportamento dos católicos na vida política – Roma 24/11/2002 –
www.vatican.va / Bíblia Sagrada – Tradução
da CNBB / Carta Encíclica Fides et Ratio
Do Sumo Pontífice João Paulo II- Roma,
14/09/1998 / Constituição Dogmática Dei
Verbum sobre a Revelação Divina – Roma 18/11/1965 Papa Paulo VI.